Hoje, dia 27 de setembro, se celebra o Dia Mundial do Turismo. Os roteiros turísticos surgem dos desejos mais diversos, podem ser baseados em guias arquitetônicos, gastronômicos ou naturais, que normalmente são os mais comuns, mas há aqueles que se interessam por pitadas de mistério e memórias de assombro. Numa cidade cheia de histórias como São Paulo, não é difícil encontrar lugares que possuem o passado marcado por cenas de horror, mas que no presente servem como equipamentos culturais e adicionam novas camadas para a sociedade.
Edifícios históricos, casarões seculares e até mesmo parques localizados na capital paulista são palcos da memória de histórias de violência do Estado, assassinatos ou até mesmo assombrações. Embora eles simbolizem o passado, hoje se tornaram importantes pontos de reflexão não apenas sobre importantes aspectos que não devemos repetir no futuro, mas como agentes do presente. A seguir, apresentamos um pequeno roteiro com sete lugares em São Paulo que foram - ou serão - remodelados para agregar novos usos para a população.
Capela dos Aflitos / Liberdade
A Liberdade é um bairro conhecido por sua presença predominantemente asiática. Comércio, restaurantes e mobiliário público denotam isso. O que nem todos sabem é o passado da presença negra no bairro, narrada muito bem pelo quadrinho Indivisível. Na sua principal praça, onde está a saída do metrô, que abriga feiras e festividades, ficava a forca da cidade de São Paulo. Não muito distante dela, está a Capela dos Aflitos. Construída no primeiro cemitério público da cidade, o Cemitério dos Aflitos, onde eram enterradas as pessoas consideradas indigentes na sociedade: negros, indígenas, prostitutas. Segundo Luna D'Alama, "no cemitério, foi enterrado o cabo negro Francisco José das Chagas (-1821), do Primeiro Batalhão de Santos. Ele e outros soldados se insurgiram e atacaram uma embarcação portuguesa por terem ficado cinco anos sem salário. Chaguinhas, como era conhecido, e mais um colega foram condenados à morte pelo atentado. A história documentada conta que a corda em que ele deveria ser enforcado se rompeu três vezes (e a população começou a gritar: 'Liberdade!', daí o nome do bairro), mas não houve clemência, e ele acabou sendo assassinado a pauladas. Chaguinhas virou um mártir, santo popular e milagreiro de cemitério. As lendas que o envolvem falam de aparições e velas acesas em sua memória, que não se apagam com chuva nem vento". A jornalista também destaca que segundo a União dos Amigos da Capela dos Aflitos (Unamca), o espaço deve ser restaurado, e as obras devem iniciar no final deste ano, com previsão de reinauguração em 2025.
Casa de Dona Yayá
É difícil imaginar, mas o Bixiga já foi um bairro que tinha em sua zona chácaras isoladas. Foi num casarão nesta área hoje central, na decáda de 1920, que Sebastiana de Mello Freire (1887-1961), a Dona Yayá - única herdeira de uma das famílias mais ricas de seu tempo - foi isolada por sofrer de distúrbios psiquiátricos. Desta forma, o espaço construído no fim do século XIX foi adaptado para o tratamento de sua proprietária. Após sua morte, surgiram diversos relatos e lendas sobre aparições da antiga moradora que rondavam o local. Fato que não impossibilitou o tombamento do imóvel como patrimônio histórico, que desde 2004 funciona como o Centro de Preservação Cultural da Universidade de São Paulo, oferecendo atividades culturais gratuitas que discutem a luta antimanicomial e a preservação da memória do espaço e sua história.
Castelinho da Rua Apa
A história do Castelinho da Rua Apa, de acordo com Luna D'Alama, se inicia nos primórdios do século XX, quando arquitetos franceses receberam a encomenda de reproduzir um castelo medieval na Santa Cecília. O espaço serviu como residência da família Guimarães Reis. A autora conta que "em maio de 1937, dois meses após a morte do patriarca, a mulher Maria Cândida e os filhos Álvaro e Armando foram encontrados mortos, lado a lado". Existe a hipótese do primeiro ter assassinado os familiares e depois ter tirado a sua própria vida. Entretanto, ele tinha duas balas na cabeça, fato pouco comum para casos de suicídio. Assim, o crime segue sem solução. O lugar ficou abandonado por décadas e foi ocupado por pessoas em situação de rua, D'Alama cita que foi nessa época que o espaço ganhou a fama de mal-assombrado, "com relatos de fenômenos paranormais, aparição de vultos e manifestações poltergeist (como portas batendo sem vento, torneiras abrindo, agressões físicas e gente sendo empurrada da escada)". Em 2004, o imóvel foi tombado e, posteriormente, entre 2015 e 2017 ele foi restaurado para se tornar a sede do Clube de Mães do Brasil, uma ONG que atende a população em vulnerabilidade social.
Edifício Martinelli
Primeiro arranha-céu da América Latina, o Edifício Martinelli foi inaugurado em 1929. Apelidado de "bolo de noiva" por Oswald de Andrade, já abrigou diversos programas e se tornou um importante ponto de encontro da elite intelectual no século passado. Sua decadência começou na década de 1950, "quando virou cenário de crimes, tráfico de drogas, prostituição e clínicas clandestinas de aborto. Em 1975, a Prefeitura desapropriou e restaurou o imóvel, que tinha lixo e esqueletos humanos acumulados no fosso do elevador até pelo menos o sétimo andar. As lendas urbanas ligadas ao Martinelli são contadas por guias, seguranças e ascensoristas, que relatam movimentos incomuns nos elevadores, oscilações da energia elétrica, portas que batem e até uma “loira fantasma” que aparece nos corredores", conforme aponta D'Alama. Hoje, o prédio abriga órgãos municipais, mas ganhará diferentes usos após a concessão cedida pela Prefeitura de São Paulo em junho deste ano para uma empresa que irá administrá-lo pelos próximos 15 anos. Segundo D'Alama, há um investimento previsto de R$ 71 milhões, que resultará numa série de reformas, incluindo o novo Observatório Martinelli que ganhará um museu no 25º andar, além de cinema, loja, restaurantes, espaços de observação, exposições de arte e eventos. Também estão previstas adaptações de acessibilidade. A previsão é que as obras se concluam no próximo ano.
Estação Pinacoteca
A Pinacoteca do Estado de São Paulo hoje é dividida em diversos edifícios na região da Luz em São Paulo. Um deles é a Pina Estação, que ocupa o prédio do antigo Armazém Central da Estrada de Ferro Sorocabana, um amplo edifício construído em 1914 por Ramos de Azevedo e que foi também sede do Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS) entre 1942 e 1983 - onde estudantes e ativistas políticos foram torturados e assassinados durante a Ditadura Militar. Em 2004 o edifício foi reformado pelo arquiteto paulistano Haron Cohen para receber parte do programa de exposições temporárias e escritórios da Pinacoteca, e também abrigar o Memorial da Resistência de São Paulo, "uma instituição cultural dedicada aos direitos humanos por meio da preservação e musealização das memórias da resistência e da repressão políticas do Brasil republicano".
Museu do Ipiranga
O Museu do Ipiranga, com seu imenso acervo de objetos da elite de séculos passados e da corte no Brasil, também coleciona algumas lendas e histórias de assombração. Uma delas envolve a estátua do Dom Pedro I, que alguns dizem que se move durante a noite. Como se não bastasse, na outra ponta do parque, há uma cripta escondida no Monumento à Independência, construída em 1952 para guardar os corpos de D. Pedro I e suas duas mulheres, D. Maria Leopoldina e D. Amélia. Bom, certamente este é o ponto menos assustador deste guia, mas a visita é mais do que válida, seja para conhecer a história do país ou para se deslumbrar arquitetonicamente com o conjunto de intervenções proposto na modernização e restauro do museu. Segundo os arquitetos responsáveis, H+F Arquitetos, "o objetivo geral [da reforma] não foi impor a face do novo, mas revelar de maneira nova o que já está lá, por meio de articulações, disposições espaciais e percursos que as intervenções discretamente propiciam. A ênfase dos novos elementos não reside em sua aparência, mas no seu desempenho, no que são capazes de promover, na sua eficácia em dinamizar e potencializar as virtudes das preexistências".
Parque da Juventude
Hoje, o Parque da Juventude é marcado pelo uso popular em generosos espaços permeados por um belo paisagismo, suas quadras e edifícios culturais. É difícil imaginar que este é o mesmo lugar onde estava o Carandiru, complexo penitenciário que foi palco de diversos episódios de violência, sendo o mais trágico o Massacre do Carandiru, quando 111 detentos foram assassinados pela Polícia Militar. Após outras grandes rebeliões que aconteceram, houve a decisão de implosão do espaço e o Governo do Estado de São Paulo promoveu um concurso público à concepção arquitetônica e planejamento do Parque da Juventude. Entre as propostas, o projeto concebido pela arquiteta paisagista Rosa Kliass conjuntamente ao escritório aflalo/gasperini arquitetos foi a vencedora. O projeto foi dividido em três etapas, sendo a última concluída em 2007, quando os espaços esportivos, de estar, contemplação, lazer e edifícios institucionais como a Biblioteca e o ETEC foram finalizados.